quarta-feira, 2 de maio de 2012

Areal 1993 - Identidade Perdida





Arquivo: SIPA - Sistemas de Informação do Património Arquitectónico
Areal 2012


Simultaneamente perda de identidade e perda de oportunidade. A relutância de quem impõe objectivos de reduzir dezenas de lugares de estacionamento no centro histórico mas não admite reduzir uma centena de lugares no areal. Uma prova de que não podemos ser submissos ao automóvel; o automóvel vai para onde dissermos que vá, e o lugar escolhido foi o areal. Como é esteticamente reprovável foi necessário camuflá-lo, embelezar a envolvente deste estacionamento para que ele possa integrar-se harmoniosamente numa das mais belas frentes ribeirinhas do país. Para o efeito convidam-se escultores mais ou menos dotados (mais para o menos), que exaltem as lendas do passado e as expliquem figuradamente para que até uma criança de 4anos perceba o que o General Brutus gritava para a outra margem. Estátuas alusivas ao folclore e à vida no campo viram-se para os transeuntes do passeio do 25 de Abril reclamando para si a atenção ao invés da compacta massa automóvel que a poucos metros reluz. Foi necessário afastar o turista da proximidade do automóvel; um espaço verde com uma duplicação do passeio surgiu entretanto. Porém, o problema agrava-se com o estacionamento a extravasar pelos arcos da ponte medieval e o rio ao longe e pouco convidativo. O turista rendido, apercebe-se que não conseguirá levar na sua máquina fotográfica uma foto decente do monumento-mor da vila sem que alguma auto-caravana lhe estrague o enquadramento. As margens do rio precisam de ser limpas da vegetação selvagem causada pela má qualidade das águas e um açude mal projectado umas décadas antes. Mas sendo este espaço um areal, entre o verde e a areia, obviamente optemos pelo verde, até porque não é auto-sustentável e até precisa de uma manutenção regular de adubos e sistemas de rega. 
Agora que perdeu-se a oportunidade de uma praia fluvial devidamente qualificada e invejada por qualquer terra do interior (como já aconteceu) talvez esteja na hora de pensarmos em seguir os passos de Mangualde e construir uma praia artificial num local bem longínquo do rio. Olhando para trás, o pontelimense dirá que tinha um tesouro que nenhuma localidade tinha, um extenso, limpo e luminoso areal, local privilegiado de lazer em qualquer cidade balnear, mas neste caso, no interior do país. Como a emenda foi pior que o soneto, temo que a história não seja branda com este assassinato paisagístico num mundo onde os valores culturais e identitários deveriam sobrepor-se a qualquer sonho ou capricho pessoal. Ponte de Lima bastião dos valores patrimoniais e ambientais?

2 comentários:

Guilherme disse...

Já tinha sentido falta de ver aqui analisada esta questão. Mas finalmente o vejo, e não podia concordar mais.
A estratégia municipal em relação ao rio, às suas margens, e principalmente ao areal, é de um desnorte medonho. Ainda por cima, este desnorte não é inócuo, e atenta contra diversas coisas.
Em primeiro lugar, atenta contra a memória colectiva dos pontelimenses. Já toda a gente, sem excepção, imaginou algo para o areal. Duvido é que alguém tenha previsto algo tão mau.
Em segundo lugar, atenta contra o património natural. Mas aqui sinto-me relativamente tranquilo. Basta esperar uma enchurrada, como tantas que temos visto, para esta vergonha passar à história (anseio o dia em que os soldadinhos de chumbo desagúem em vila praia de âncora, caminha e galiza).
Em terceiro lugar, atenta contra o património arquitectónico. Nunca o casario ribeirinho, a ponte, a alameda e capela de São João, e o Monte de Santo Ovídio se viram tão mal acompanhados e fotografados.
Em jeito de remate, é absolutamente vergonhoso que a politica para a zona ribeirinha de Ponte de Lima seja uma política de remates e pequenos arranjos esporádicos, desinformada, sem qualquer linha condutora, de progressiva artificialização de um espaço que se quer natural, e ao sabor das vontades e desejos de quem calha. As pessoas, nomeadamente as autarquias, deviam perceber que quando se está no poder é preciso ter-se capacidade de perceber quando se deve mexer, e quando se deve estar quieto. Infelizmente Ponte de Lima tem sofrido muito desta incapacidade, e tem-se mudado frequentemente para pior.

Monalisa disse...

Como eu concordo com esta análise! Hoje em dia custa-me ir a Ponte do Lima e ver o que vejo e isto não é uma questão de saudosismo bacoco, é uma questão precisamente de pensar que Ponte de Lima é uma vila num local privilegiado, com um património privilegiado e que bastava PRESERVAR e proteger o que existe para que fosse uma verdadeira pérola. Tenho imensa pena, para não dizer mesmo que tenho desgosto.