sábado, 12 de janeiro de 2008

Duas realidades


Ponte de Lima tem um centro histórico agradável e atraente transmitindo uma sensação de bem estar a quem ele percorre, fruto de um programa continuado de reabilitação que deu resultados bastante positivos. No entanto, como na generalidade das cidades portuguesas, o centro histórico tem sido encarado como um objecto uno, ou seja, um grande monumento a proteger, independente de toda a nova evolução urbana. Desta ideia de centro histórico como monumento no seu todo (que por si só é um exemplo de planeamento urbano que funciona e é facilmente apropriado e reconhecido pelos cidadãos) surge além deste limite de salvaguarda um crescimento desordenado, incaracterístico. Criam-se novas centralidades de serviços onde domina a ausência de urbanidade, identidade e até sustentabilidade. A nova vila não é pensada a longo prazo como a oportunidade de reconversão modernizadora. Se no pós-25 de Abril as cidades portuguesas explodiram desenfreadamente para além dos perímetros históricos ao sabor dos interesses especulativos, seria de esperar que Ponte de Lima, que está a viver neste momento o seu pico de construção, não cometesse alguns dos mesmos erros de um modelo urbano que não resultou. Planos existem mas são somatórios de loteamentos traçados a régua e esquadro num processo matemático sem real fundamento transmitindo uma falsa sensação de ordem. Faz-se espaço público e não espaço para o público.

A periferia de Ponte de Lima cresce assim apenas para servir o centro histórico, não tirando partido dele. Não existe uma transição harmoniosa entre as duas realidades. As continuidades que existiam nos arrabaldes esbateram-se. A periferia não contém qualquer evocação ao sistema urbano antigo, nem mesmo nos materiais utilizados nos novos prédios. O tijolo burro vermelho utilizado nas novas urbanizações é mais característico da zona centro e sul do país. A obrigação de cobertura de telha num prédio de habitação colectiva é algo contraditório com este programa arquitectónico que se desenvolveu já sob os fundamentos do Movimento Moderno da arquitectura; basta ver como os projectistas tentam esconder este problema aumentando as platibandas.

A autarquia nega os erros dizendo que até constrói ruas largas para maior conforto. O resultado são ruas fora de escala, que apenas encoraja o trânsito automóvel e não os peões. Não se constroem corredores pedonais que partem do centro histórico com a circulação automóvel a processar-se independentemente. Assistimos a uma ocupação do território que seria possível em metade dele. Os vazios resultantes são enormes. A concentração geraria qualidade urbana.

Na realidade as bases para a construção da nova vila já existem desde os anos 30 do séc. XX com a construção do eixo da Avenida António Feijó que parte do centro histórico lançando perpendicularmente ramificações que seriam o mote para novos arruamentos urbanos de expansão urbana. Este plano foi sendo comprometido com a construção das várias rotundas no topo da avenida que retiraram o a possibilidade de qualquer consolidação urbana. Basta percorrer a via Ribeira-Feitosa para nos apercebermos do desnorte de planeamento; a ausência de alinhamentos, a convivência de vários tipos de loteamento, de cheios e vazios, de várias vontades de décadas diferentes. Uma via que já merecia um carácter mais urbano que lhe retirasse a excessiva primazia aos automóveis.

O Município de Ponte de Lima quer ser referência a vários níveis como tem sido na recuperação patrimonial, criação de jardins, ecologia. Deveria ter sido também na criação de um modelo urbano que fizesse a transição da cidade nova com a antiga de forma harmoniosa e com qualidade arquitectónica. Seria o maior ensinamento a qualquer autarquia do país. A arquitectura dos novos prédios de habitação é na generalidade muito fraca por isso era necessário experimentar um modelo urbano com a qualidade e criatividade suficiente para eles se implantarem numa base unificadora. Levando mais além a ideia bastante publicitada de Ponte de Lima como vila de jardins não compreendo como a autarquia não pensou num conceito de cidade-jardim tão experimentado pelo mundo como modelo de expansão da vila e que uniria a vila e o campo num mesmo sistema urbano. Os jardins não devem estar concentrados todos num mesmo espaço, os corredores verdes deveriam contaminar todo o espaço novo que apareça em Ponte de Lima.


Jornal Alto Minho (11-01-2008)

1 comentário:

Anónimo disse...

Quero felicitar, o meu amigo e colega de profissão, André Rocha pela sua capacidade enquanto exímio leitor/observador de uma realidade arquitectónica preocupante que deixará poucos indiferentes, mesmo todos aqueles que possam estar alienados desta problemática: "centro histórico vs cidade nova".
André, parabens pelo teu alerta, estas a dar um fabuloso contributo, a tua qualidade de trabalho, enquanto arquitecto projectista, continuará a ser reconhecida. Abraço amigo.